Fechando o 1o ciclo da disciplina “Circulação e Textualização de conhecimentos científicos”

Fechamos o 1° ciclo da disciplina “Circulação e Textualização de conhecimentos científicos” deste semestre no PPGECT.

Começamos com as leituras de artigos de Jeanne Fahnestock (“Adaptação da ciência: a vida retórica dos fatos científicos”) e Brian Wynne (“Saberes em contexto”), ambos do livro Terra Incognita, discutindo questões sobre divulgação científica. Em Fahnestock, encontramos uma abordagem retórica da textualização da ciência, e pudemos comparar diferentes modos como a ela vem sendo textualizada; e com Wynne, encontramos outros saberes que, embora sejam igualmente importantes numa problemática sociocientífica, não circulam do mesmo modo. Discutimos características desses saberes e possíveis canais de sua circulação. Assim, pudemos problematizar esse imaginário de leitor/interlocutor “leigo” constituído pelo funcionamento da “divulgação científica” tal como ele tem se dado no atual regime de produção e circulação de saberes.
Passamos então a uma introdução a uma abordagem discursiva, lendo Foucault, “O filosofo mascarado”, e compreendendo não só o que este autor coloca, mas o modo como lida com o contexto da sua própria fala/escrita pública num dos mais importantes jornais da França, trazendo à tona a questão da fala pública do intelectual. Esta entrevista de Foucault, embora anterior à internet, tem uma atualidade incrível se pensarmos nas mudanças nos regimes, canais e espaços de circulação a ela associados. Discutimos também um trecho de “A ordem do discurso”. E completamos com um trabalho de Maria do Rosário Gregolin para discutir a noção de formação discursiva, a partir de Pêcheux e de Foucault. O trabalho de Jaqueline Authier-Revuz (“A encenação da comunicação no discurso de divulgação científica”) foi lembrado embora não tenhamos lido efetivamente seu artigo.

Depois abordamos o discurso científico introduzindo aspectos gerais dos science studies. Discutimos parte do “Ciência em Ação” do Bruno Latour, voltamos um pouco à retórica e à compreensão das inter-relações entre diferentes textualizações. Então começamos a ter uma ideia mais clara de que a circulação da ciência é um processo que envolve necessariamente diferentes textualizações coordenadas, conectadas, interdepentendes, associadas à repartição dos sujeitos pela sociedade no que tange à produção social do conhecimento científico.

Com a leitura de um capítulo de Ludwick Fleck essa ideia se aprofundou. A epistemologia de Fleck é uma epistemologia do conhecimento em circulação. Trata-se de um epistemólogo que dá atenção especial a questões de linguagem. Pudemos apontar aproximações entre sua concepção e a da Análise de Discurso francesa (Foucault; Pêcheux), assim como aspectos que lembram uma abordagem retórica que já tínhamos visto em Fahnestock. A textualização na “origem” (coloco entre aspas pela ideia de origem ser parte do imaginário que sustenta essa circulação tal como se dá hoje), a textualização didática e a da divulgação científica, em seus aspectos gerais, aparecem como conectadas.

Nossa abordagem do conhecimento científico, em que ressaltamos a existência do discurso, do texto, da linguagem, não substitui abordagens epistemológicas. Ao contrário, pode complementá-las.

Fechamos o 1° ciclo conhecendo um pouco da teoria de Chevallard sobre o sistema de ensino, e sua noção de transposição didática, ressaltando o que essa teoria nos traz de contribuição para pensar esses processos de circulação & textualização, bem como seus limitações, principalmente num contexto como o atual. Com isso, aprofundamos aspectos da textualização didática da ciência. Toda essa discussão se deu trazendo situações atuais para a análise, e chamando a atenção para possíveis mudanças que a internet, as tecnologias digitais de modo geral vêm trazendo aos regimes de circulação & textualização de saberes e conhecimentos numa sociedade como a nossa. Trazíamos à tona, assim, a questão dos blogs, youtube, facebook e o que tudo isso pode ter a ver com os modos como se configuram nossas relações com ciência & tecnologia na nossa sociedade e suas possíveis transformações, potenciais ou já em curso.

O 1° ciclo da disciplina fechou com uma discussão geral sobre o papel da escola, da educação científica e tecnológica de modo geral, seja formal ou não-formal, nesse processo. Muito mais do que apontar respostas, ou forjar uma tendência pedagógica com pretensão de hegemonia, ou apresentar supostas “soluções” “salvadoras”, buscamos construir questões, apontar o desconhecido, vislumbrar outras possíveis visadas, para que cada um possa pensar e criar possibilidades novas de ações e posições sabendo-nos agora parte de um processo complexo, heterogêneo e desigual de produção, circulação, distribuição de saberes e relações de poder numa sociedade como a nossa e o que o “científico & tecnologico” têm a ver com isso.

No 2° ciclo acontecerão os seminários dos alunos apresentando ensaios de análise de diferentes processos de textualização, da divulgação científica em quadrinhos da década de 50 aos simuladores na internet, passando por revistas de divulgação científica, infográficos interativos on-line, grupos no facebook, vídeos no youtube.

Sem dúvida, a disciplina tem um caráter introdutório. E seu objetivo é colocar a perspectiva da circulação & textualização.