Ciência, Público, Comunicação e Educação 26

Tenho proposto e trabalhado a possibilidade de se pensar a questão da educação científica e tecnológica como parte dos processos sócio-históricos mais amplos de circulação e de textualização dos conhecimentos científicos e tecnológicos (Silva, 2010 e Silva, 2006). Acredito que a abordagem epistemológica seja imprescindível para a educação em ciências, mas não suficiente. Trata-se de pensar o tipicamente ou exclusivamente escolar sempre como singularidade de um processo num contexto mais amplo e de natureza comunicacional, que envolve sim, conteúdos (com suas características epistemológicas), mas também processos de interação, relações de poder, processos de significação, estratégias e jogos de linguagem apenas parcialmente conscientes e subjetivamente controlados.

Nessa escala mais ampla, os inúmeros processos de educação científica (em seus diferentes espaços, formas, modalidades…) podem ser considerados como processos de relação entre ciência e público (isso ainda será desenvolvido em outros posts). A leitura do artigo de Contier e Marandino (2010) foi proposta justamente porque é essa a perspectiva dos autores. Essa abordagem não está colocada para a escola, mas está colocada para os museus. Mas a questão dos museus e divulgação científica em geral envolve uma comunidade de reflexão que não coincide exatamente e apenas com a comunidade de educação em ciências. Esses autores têm em sua trajetória, principalmente Martha Marandino, justamente esse constante diálogo e trânsito entre essas comunidades. Assim, embora de maneira não tão aprofundada por uma questão de espaço no artigo, a abordagem das autoras exemplifica muito bem como a questão da relação ciência e público pode ser abordada do ponto de vista das discussões que vêm ocorrendo simultaneamente em nosso campo da educação científica e tecnológica e num outro campo que ainda não tem sido suficientemente considerado em nossa área, que é o campo da comunicação científica. É nesse sentido que as autoras vão articular uma reflexão sobre museus de ciência a partir de três frentes como referencial: a do enfoque CTS, a da comunicação pública da ciência e a das controvérsias científicas. O primeiro e o último temas dessa tríade são temas muito discutidos na nossa área de educação em ciências, diferentemente do segundo.

Ora, o que liga esses três aspectos, do modo como são trazidos pelas autoras, é a questão da participação. Elas defendem uma educação em museus cujo foco estaria na formação de sujeitos mais participativos em questões relacionadas à ciência e tecnologia. Para compreendermos então que noção ou noções de participação estão em jogo é preciso compreender que o texto constrói sua noção a partir da leitura das autoras sobre esses três campos, ou seja, dialogando com a área e interligando áreas que não têm dialogado muito. Os três campos vão colocar a questão da participação. Isso significa que essa questão já está colocada na nossa área.

Não há espaço aqui para desenvolver essa análise. Mas, no mínimo, algumas questões podem ser colocadas: a relação ciência & público, no contexto da educação, pode ser pensada apenas sob o ponto de vista da participação? O quanto a valorização e centralização desse aspecto condiciona o modo como compreendemos a questão da relação entre ciência e público? Que noção de participação o artigo traz? Não dizer, significa não participar?

Mas deixando essas questões no ar, ou melhor, nas nuvens… meu objetivo aqui é outro. É colocar resumidamente as ideias de Lewenstein, autor bastante citado no texto de Contier e Marandino (2010), autor do campo da comunicação científica, ex-editor da revista Public Understanding of Science (que é paga! pertencente à empresa Sage de publicações científicas) e de um artigo muito citado nesse campo, o “Models of public communication of science and technology”, de 2003. Trata-se de artigo, aliás, já que a questão central é a da circulação de conhecimentos, extremamente citado, de enorme influência no campo, mas jamais publicado em algum periódico arbitrado.

No texto de Contier e Marandino (2010) encontra-se uma exposição sintética dos modeles que ele propõe. No entanto, se lermos Lewenstein apenas por aí, não encontraremos as críticas que ele coloca a cada um dos modelos e algumas outras ideias importantes para a reflexão sobre comunicação pública da ciência e tecnologia.

O artigo de Lewenstein propõe quatro modelos que simplificadamente poderiam ajudar a diferenciar atividades de comunicação pública da ciência. A questão que está em jogo é a do aumento da compreensão da ciência pelo público, ou seja, como cada atividade de comunicação pode contribuir para esse objetivo.

A seguir, vou sintetizar o que caracteriza cada modelo e quais são seus pontos problemáticos, sempre segundo o autor.

No modelo do déficit, a comunicação pressupõe preencher as lacunas, os déficits de conhecimento científico que o público em geral teria. Exemplos são os projetos que se voltam para a alfabetização científica da população. Críticos argumentam que esse modelo não leva em consideração a relação entre compreensão, conhecimento e contexto. Quando se fala na relação entre conhecimento e público deve-se pensar na relação e relevância desse conhecimento com as situações de vida, condições contextuais que envolvem as pessoas na sua relação compreensiva com a ciência. Em geral, nos envolvemos com a ciência em situações particulares e cada situação, portanto, intervém com elementos singulares na compreensão.

Já o modelo contextual leva em consideração que os indivíduos recebem informações em situações particulares que moldam o modo como compreendem as informações. Mas continuam na posição unidirecional, sem considerar as respostas dos indivíduos às informações. O “uso” do contexto acaba sendo identificado como uma estratégia de sofisticação para se atingir os mesmos propósitos do modelo do déficit. Ambos os modelos estão presos aos interesses e à perspectiva da comunidade científica. Ambos os modelos não levam em conta relações políticas e relações de poder. A comunicação científica implicada nesses dois modelos está relacionada com estratégias de adesão para obtenção de apoio a fundos financeiros para pesquisa, aprovação de determinadas linhas de pesquisa envolvendo decisões políticas. Considerando críticas como essas, dois outros modelos podem ser identificados na tentativa de superá-las.

Um deles é o modelo do “especialista leigo”. Esse modelo considera que os cientistas, na verdade, não têm a resposta para os problemas envolvidos no mundo real e em decisões políticas. Outros conhecimentos, não técnicos e não científicos, seriam igualmente importantes. No entanto, a relação entre conhecimento não-científico local e conhecimento científico é algo complexo e há críticas à valorização extrema do conhecimento local em detrimento do científico propriamente dito, na esteira de um anti-cientificismo. Esse modelo facilmente recai na “guerra das ciências”. Também não fica claro, segundo Lewenstein, como um modelo de comunicação baseado na expertise leiga pode prover meios efetivamente práticos que levem à compreensão pública da ciência.

Creio que um exemplo de reflexão sobre a relação entre ciência e público que coloca em jogo elementos dos dois modelos, o contextual e o da experiência-leiga, sem recair no anti-cientificismo, pode ser encontrado em “Saberes em contexto”, de Brian Wynne, publicado no livro “Terra Incógnita: a interface entre ciência e público”, organizado por Massarani, Turney e Moreira (2005). A versão em inglês não está disponível publicamente, a não ser mediante pagamento, pela revista Science, Technology and Human Values, uma das revistas que, paradoxalmente, mais tem publicado sobre a relação entre ciência e público. Este número, de 1991, onde está o artigo de Brian Wynne, aliás, está interessantíssimo, com artigos de Bruno Latour, Roger Silverstone, Steve Fuller, e Steve Woolgar.

O quarto modelo, na teoria simplificada de Lewenstein, seria o da participação pública ou engajamento público. Esse modelo de comunicação compreende diversas técnicas como as conferências de consenso (o artigo de Pellegrini Filho, 2005, descreve a experiência do Chile sobre esse tema), júris cidadãos, os “science shops” (deixo o Biosense como possível exemplo disso, uma experiência em Portugal), entre outras tantas. Esse modelo toca na questão da democracia deliberativa. Trata-se de trazer a ciência, principalmente seus procedimentos, métodos, processos para o empoderamento público. Como esse modelo se embasa numa plataforma essencialmente política, sobre relações de poder, pode ser feita crítica similar àquela feita ao modelo anterior, segundo Lewenstein, ou seja, a de que a compreensão pública da ciência ficaria em segundo plano. Outra crítica residiria no fato de que esse modelo enfatiza mais os processos científicos do que os conteúdos propriamente ditos, além de poder resvalar facilmente num anti-cientificismo, e de envolver apenas pequenos grupos.

É importante lembrar que estou me referindo a uma literatura “clássica” para conhecimento inicial das questões que envolvem educação, comunicação e público. O artigo de Lewenstein é de 2003. Essa temática/problemática, no entanto, já se desenvolveu bastante. E encontra atualmente um contexto bastante diferente, já que todos os meios de comunicação vêm sofrendo transformações por conta de enorme tecnologização relacionada às esferas da comunição e informação. Ou seja, a ciência, nos últimos anos, já não circula mais da mesma forma nos jornais, revistas, e outros meios, pois esses meios já estão diferentes e essas mudanças tecnológicas implicam em mudanças na relação das pessoas com a informação e o conhecimento.

É preciso pontuar também que a questão da participação e envolvimento público com a ciência varia muito de país para país e dentro de um mesmo país, por conta de uma série de fatores sociais, econômicos, culturais, políticos, acadêmicos, etc. A Constituição de 1988, por exemplo, apresentou pontos até hoje bastante inovadores e ampliadores da participação popular na gestão pública quando comparado ao contexto mundial. O que implica em formas de participação que escapam aos modelos de pensamento europeus e norte-americanos.

Não se trata de “escolher” qual seria o melhor modelo, pois a existência desses modelos está além de nossas escolhas conscientes. O que não significa que não haja projetos intencionais, que não haja disputas, lutas.  O campo da comunicação é um campo de disputas de significação e modos de significar e espaços/tempo de dizer. Mas há aspectos desses processos que sempre nos escapam e sempre nos escaparão. Por outro lado, cada modelo de comunicação apresenta aspectos que nos ajudam a identificar estratégias a que somos envolvidos enquanto leitores da ciência e nos envolvemos quando produtores de alguma forma de comunicação da ciência.

Referências
Contier, Djana e Marandino, Martha. Ciência-tecnologia-sociedade, comunicação pública da ciência, controvérsia científica: aproximação de referenciais para análise de exposições nos museus de ciências. In: Amorin Pinto, Gisnaldo (org.). Divulgação científica e práticas educativas. Curitiba: CRV, 2010, p. 113-131.

Silva, Henrique César da. A noção de textualização para pensar os textos e as práticas de leituras da ciência na escola. In: idem, p. 25-42.

 

 

Comentários

  1. Ivani disse:

    Gostei bastante das tuas colocações. Mas gostaria que pudéssemos discutir um pouco sobre o aspecto que tu traz das diferentes formas que a comunicação científica apresenta-se entre os países e dentro de um mesmo país.
    O Brasil é extremamente grande, com variações econômica, políticas, educacionais, culturais e por ai vai, sabemos também que algumas regiões sofrem por motivos variados. O que dificulta ou nem sequer permite seu acesso a coisas básicas quem dirá acesso científico e tecnológico, então diante desse quadro de que forma, quais as estratégias que deveriam ser usadas para que o acesso fosse igualitário? ou isso é utópico? ou não desejado? pois em contraponto nosso estado que tem uma educação considerada “ótima” frente a outros estados da federação também sofre com seca, enchentes, problemas variados que atingem a agricultura por exemplo, isso é enfrentado de que maneira pela escola? são questões da ciências e tecnologia que deveriam estar presentes na escola? mas estão? ou ficam no âmbito dos cientistas?

    1. Henrique Silva disse:

      Ivani, faço minhas as tuas questões! E quem sabe outros leitores possam trazer outras contribuições. Vamos ver se consigo colocar algo que possa ajudar a avançar. Primeiro, não sei se pensar em “igualitário” seria um caminho adequado já que estamos enfrentando justamente a questão da heterogeneidade. Temos discutido muito na educação a valorização do local (veja que a questão aparece também na discussão sobre comunicação); da cultura local, das condições locais, dos conhecimentos locais. Ora isso contrasta com um sistema escolar homogeneizado, generalista, universalista. Os mecanismos participativos também são extremamente plurais no Brasil, e há modos de organização social nesse país que passa longe do poder público e nem por isso não são organizados. Há muitos estudos sobre movimentos sociais, temática que tem pouquíssima repercussão na grande mídia jornalística. Talvez um caminho para aprofundarmos isso, é dar-nos a conhecer melhor essa heterogeneidade toda de formas de organização social, de participação, de comunicação pública da ciência, de circulação de conhecimentos científicos e tecnológicos.

  2. Ivani disse:

    Henrique, penso que este pode ser sim um caminho. Mas quando me refiro a igualitário, não me referi a homogeneidade no ensino, mas em condições de igualdade, pois é sabido que em uma escola onde os alunos não tem nem água, fica difícil pensar em assuntos que parecem estar mais distantes como no caso a ed científica e tecnológica.

    1. Henrique Silva disse:

      Ok, mas a educação em ciências não teria um papel também ao trabalhar essas condições de desigualdade? Poderíamos pensar justamente que modos de circulação/comunicação pública/educação científica seriam adequados visando essa problemática das condições de desigualdade.

    2. Ana disse:

      Colegas, sobre a desigualdade tenho um comentário a fazer. Em 2005 fiz estágio em uma escola pública que escolhi, para poder levar um pouco de ciências para os alunos de primeiro ano. Quando conversei com a diretora ela me informou que havia um laboratório que estava fechado por uns três anos. Um dos trabalhos realizados por mim foi a organizaçäo do laboratório. Encontrei umas dez caixas fechadas cheias de vidrarias novinhas. Escolhi a escola pois sabia que näo existiam recursos, mas na verdade haviam, o que faltava era um gestor e um professor motivados pela ciência e acima de tudo comprometidos com o ensino daqueles alunos.

  3. Angelisa Benetti Clebsch disse:

    Um exemplo de rede de divulgação de ciência é a RENANOSOMA, uma rede de pesquisa em nanotecnologia, sociedade e ambiente, que questiona a falta de regulamentação dos nanoprodutos. Apresenta um conjunto de ações para levar ao público “leigo” informações relacionadas aos impactos da utilização da nanotecnologia. Esta rede tem algum incentivo ou financiamento público? Há como estimar o alcance e a influência desta organização nas decisões políticas em nanotecnologia e nanociência no Brasil?

  4. Simone Leal disse:

    Olá Henrique e Ivani
    li o texto e acompanhei as colocações de vcs . Do texto, fiquei intrigada com os questionamentos sobre “participação” . O Henrique deixa claro que este não é o objetivo principal deste texto , mas os questionamentos sobre participação remetem as nossas discussões em sala sobre os bilhetinhos dos museus e acho que o entendimento sobre “participação” é uma questão pontual e relevante.
    Minha leitura sobre divulgação e comunicação cientifivca é incipiente, mas vejo o aspecto igualitário abordado pela Ivani , como um desafio nos ambientes escolares da rede pública. A foco do texto não é a meu ver a educação escolar , mas como professores é inevitável estabelecer confluências , uma vez que a questão da comunicação permeia contextos formais e não formais .

  5. Marcio Watanabe disse:

    Colega Angelisa, muito pertinente o comentário, a RENANOSOMA (http://www.nanotecnologiadoavesso.org/) realmente trabalha com a divulgação da Ciência e da Tecnologia Nanométrica. Respondendo a sua primeira pergunta, acredito que tenha incentivo do poder público, visto que a RENANOSOMA está organizando o IX Seminário Internacional Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente “Nanotecnologia em Questão” (http://nanotecnologiadoavesso.blogspot.com.br/2012/10/nanotecnologia-em-questao.html) que será realizado no fim deste mês com fomento do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A sua segunda pergunta, requer maior detalhamento da rede, mas acredito que as atividades desenvolvidas pela RENANOSOMA (programas de TV, seminários e entrevistas) possam de alguma maneira conduzir o público “leigo” a PARTICIPAÇÃO efetiva na discussão sobre o tema.

  6. Ana disse:

    Achei um documento muito rico sobre o tema.
    Ciência e público: caminhos da divulgação científica no Brasil. Organização e apresentação de Luisa Massarani, Ildeu de Castro Moreira e Fatima Brito. Rio de Janeiro: Casa da Ciência – Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Forum de Ciência e Cultura, 2002.
    Segue o link do texto em pdf:
    http://www.museudavida.fiocruz.br/brasiliana/media/cienciaepublico.pdf

  7. Sabine disse:

    Achei interessante as discussões feitas na aula passada, tb li o artigo “Models of public communication of science and technology”(Lewenstein)
    Na minha leitura ele trata que motivações e desafios devem estar devem estar associados para diferentes abordagens, que ele não coloca isso como meta, mas traz modelos retratando alguns pontos problemáticos.
    Partindo dessa ideia e concordando com a colega Ivani devido a diversidade cultural no Brasil, será que teríamos esse modelos serviriam locais?

    1. Henrique Silva disse:

      Concordo plenamente com vocês! O Lewenstein mesmo diz que o modelo dele é muito esquemático ainda. Eu acredito que todo e qualquer modelo não escapará de um reducionismo e que seria importante pensar em dispositivos teóricos e analíticos que permitam analisar caso a caso. E, com certeza, as condições de produção são muito diferentes de um país para outro, exigindo muito cuidado com qualquer tentativa de comparação.

  8. Carolina Fernandes disse:

    Henrique uma das questões que para mim ainda não ficou suficientemente clara, mesmo depois da apresentação da Rafaela, são as aproximações e distanciamentos da comunicação científica e a divulgação científica. Gostaria de colocar esse ponto para discussão no grupo.

    1. Henrique Silva disse:

      Carol, pensar as definições, os conceitos, é certamente um caminho importante. E compartilho da sua preocupação. Quem está definindo isso, como define a diferença? Mas outro caminho também importante é o de pensar os “fenômenos”… Desde que a ciência ocidental começou a despontar no século XVII, as relações entre cientistas e público se dão das mais variadas formas (até porque “cientistas” e “público” também são construções históricas), nunca de uma só maneira, e sofrem mudanças ao longo do tempo. Essas estruturas e práticas de comunicação se dão sempre numa tensão, que a gente pode perceber os inúmeros e diferentes indícios ao longo do tempo. A ideia de uma comunicação de mão-única, em cujas práticas e estruturas está subentendido um leitor/ouvinte/espectador que não teria nenhuma conhecimento (o “leigo”) já vem sendo problematizada há algum tempo. Assim, como sempre foi tensionada, questionado o apagamento da voz do interlocutor não-cientistas. A ideia de comunicação científica que a Rafaela trouxe é justamente um dos produtos dessa tensão. Mas acho que nenhum termo apreender o “fenômeno”, mas certamente projetam anseios, reivindicações, posicionamentos, valores e concepções diferentes da própria produção social do conhecimento científico.

  9. Rafaela Lamy disse:

    Olá Pessoal,
    Desculpem a ausência desse debate tão interessante! Para contribuir com as discussões, acho que é importante olhar para a pergunta da Carolina. Talvez estejamos ainda misturando um pouco a Divulgação Científica e a Comunicação Científica. O que é normal. Todo mundo faz. Eu mesma que desejo pesquisar o assunto, as vezes me pego pensando na velha, sendo que é com a moça que desejo dançar! Então vamos lá: A divulgação científica, como é uma via de mão única, precisa trazer ao cidadão, as ferramentas necessárias (conhecimento científico principalmente) para só então poder falar de ciência com ele. Já a Comunicação Científica, se propõem a, em uma esfera mais ampla, democratizar o debate sobre ciência, tirando-o da esfera dos conteúdos. Assim, cada um pode se questionar sobre os riscos e reveses daquilo que lhe é proposto, sobre o que deseja e o que não deseja, sobre como entende o que está posto e como poderia transformar o futuro. Um bom jeito de exercitar este pensamento emergente, é o exemplo bastante pertinente trazido pelo Rodrigo na aula: os direitos do consumidor. Ninguém precisou distribuir cartilhas pelo Brasil afora com a legislação sobre bens de consumo. Aliás, se o fizesse, não estou certa de que isso teria de fato ajudado muito. Mas bastou o país inteiro acreditar que o consumidor também tem seus direitos para que ele olhasse para uma mesma situação de outro jeito. O sofá comprado não foi o mesmo que chegou em casa? A tv entregue estava quebrada? Opa, isto não é justo e não é posto! O que posso fazer para mudar este fato? O que é gerado a partir dessa demanda, será um exemplo de Comunicação Científica. Isso pode incluir questões relativas a um conteúdo específico (e nesse caso será divulgação científica) mas vai muito além. É claro que no caso dos direitos do consumidor, já existe uma porta aberta onde bater. Para a ciência, as universidades ainda representam mais muros impeditivos do acesso, do que auxílio e conselho. E nesse sentido, poderemos de fato batalhar por mais igualdade entre os diferentes rincões do Brasil.

    1. Henrique Silva disse:

      Se observarmos atentamente a divulgação científica “em tempos de internet, web 2.0”, será que podemos falar em mão única? Ainda que haja um “emissor” como ponto de partida… hoje a interlocução, as vozes dos leitores ocupam a mesma tela que a dos “produtores”…Vejam o site da prória Ciência Hoje, uma boa revista de divulgação científica, e este que acabei de conhecer, chamado Materia.

      1. Rafaela Lamy disse:

        Concordo com vc Henrique. A divulgação científica tem iniciativas muito interessantes, não é por outra razão que eu mesma venha trabalhando nisso há muitos anos. E a rede é um lugar propício para que surjam coisas legais. De todo tipo. Em termos de divulgação também. Mas quando falo de mão única, me refiro à essência mesmo da divulgação que sozinha, sem um contexto que modifique a situação, é pouco dialógica. Isso porque o foco é o conteúdo científico no contexto científico, o resultado do trabalho do cientista, os objetos da ciência, os recortes da ciência, a metodologia da ciência, etc.. E desse jeito, o homem comum não consegue participar senão contando com a ajuda do homem (ou mulher) da ciência. Daí vem a idéia de que o fluxo seja sempre da ciência para a sociedade. E o problema é que quando se pega esses objetos assim recortados e se devolve ao mundo, nem sempre a “cola pega”. Notem que não estou falando de coisas que a ciência desenvolve e que criamos necessidades que façam o leito onde vem se deitar os objetos propostos. Falo das leituras da ciência sobre as coisas do mundo, o que é mais complexo e delicado que inventar objetos.

  10. Simone Leal disse:

    olá Rafaela e Henrique
    nas palavar da Rafaela temos
    “A divulgação científica, como é uma via de mão única, precisa trazer ao cidadão, as ferramentas necessárias (conhecimento científico principalmente) para só então poder falar de ciência com ele”.

    “Já a Comunicação Científica, se propõem a, em uma esfera mais ampla, democratizar o debate sobre ciência, tirando-o da esfera dos conteúdos. Assim, cada um pode se questionar sobre os riscos e reveses daquilo que lhe é proposto, sobre o que deseja e o que não deseja, sobre como entende o que está posto e como poderia transformar o futuro”.

    Me pergunto então quais são os veículos utilizados pela comunicação científica, talvez veículo não seja o melhor termo.. Mas a pergunta esta atrelada a dúvida do que ou qual dimensão um cidadão deve saber/ ter de um tema científico para que possa elaborar questionamentos ?

    1. Henrique Silva disse:

      Simone
      boa questão! Vou tentar levantar os artigos que tenho lido nos últimos anos na área de Educação em Ciências que vão nessa direção… ou seja, mais coisas pra você ler…rsrsrs… A questão da formação para a participação, com todos os problemas que essa palavra gera, é uma delas… Coloco a lista aqui depois.

      1. Simone Leal disse:

        valeu Henrique fico aguardando !

    2. Henrique Silva disse:

      Simone,
      ainda sobre a sua questão… talvez agora mude um pouco, após essa conversa aqui blog, a compreensão do texto de Contier e Marandino (2010). O que se relata ali, e em outros trabalhos dessas autores e outros autores, é um movimento na direção desse sentido de “divulgação científica” para esse sentido de “comunicação científica”.

    3. Rafaela Lamy disse:

      A comunicação científica reconhece algumas ferramentas como respostas às necessidades por ela levantadas. Mas a lista não é fechada. O princípio é sempre o mesmo: não pergunte a opinião de um cidadão, se não deu para ele as condições para que construa uma. Não se manifeste enquanto especialista, sem considerar a especialidade do outro, aquele que tem “pos-doutorado de mundo”. Que vive cotidianamente em situações sobre as quais a ciência deseja dar seu ponto de vista. Alguns exemplos dessas ferramentas são as Conferências de Consenso, Publiforuns, Assembléias deliberativas, Oficinas de cenário, as boutiques de ciência, as associações de ciência cidadã, etc.. Ou ainda, organismos oficiais como a Comissão Nacional do Debate Público na França. Outro exemplo legal é o Comitê Independente de Pesquisa e de Informação sobre Engenharia Genética. Este organismo se disponibiliza à acompanhar e informar cidadãos, empresas, associações e sindicatos. O apoio é a nível científico mas ainda jurídico, sociológico, técnico e econômico e extende-se a todos os assuntos relacionados ao plantio e consumo de transgênicos. Ou seja, diálogo sobre as coisas interdisciplinares do mundo real, ao invés de recorta-las e falar sozinho sobre elas. Podemos conversar hora dessas sobre tudo isso. Queria apenas dizer que a comunicação não põem simplesmente o dedo na ferida, mas reconhece alternativas ao que se vem fazendo.

  11. Carolina Fernandes disse:

    Rafaela e Henrique
    Obrigada pelas respostas. Pensando no que foi dito, a educação formal teria o papel de trabalhar com as duas esferas, divulgação e comunicação? Parece que se formos pensar na nossa educação básica a ideia de comunicação científica é bastante lacunar. É isso mesmo ou estou equivocada?

    1. Henrique Silva disse:

      Então, Carolina
      lembro que, num certo sentido, a questão da comunicação vem sendo discutida na Educação em Ciências já há várias décadas, principalmente do ponto de vista da retórica Vide, por exemplo, os inúmeros trabalhos de Isabel Martins (NUTES/UFRJ), colaboradores e orientandos. Os aspectos sociais numa perspectiva crítica são dimensão fundamental das abordagens discursivas que também já têm algumas décadas na área. Mas esse movimento parece ganhar outros contornos de convergência. O International Journal of Science Education lançou há dois anos uma parte B intitulada justamente Communication and Public Engagement. Enfim, subsídios para pensar essa questão na educação científica temos bastante. Trabalhos como o da Rafaela, entre outros, prometem contribuir ainda mais para essa perspectiva. Mesmo alguns autores que não utilizam o termo comunicação como a Rafaela, mas continuam usando o termos divulgação, pensam numa maneira não unidirecional de relação entre ciência e público. E isso que discute o texto de Lewenstein. Enfim, há emergência disso, e já faz algum tempo, no campo da educação científica.

  12. Carolina Fernandes disse:

    Concordo com você Henrique. Mas minha preocupação é como fazer com que o professor da escola tenha acesso a isso. Penso na Química Nova na Escola, por exemplo, uma revista feita para professores da escola, mas que ainda é predominantemente usada pelo círculo esotérico, ou seja, não atingiu o círculo exotérico. Muitos dos trabalhos na área de ensino de ciências tem investido em discutir maneiras de possibilitar essa circulação, mas que ainda é lacunar. Claro que as politicas públicas educacionais também possuem o papel de fomentar essa circulação. Enfim, minha preocupação é como a comunicação científica efetivamente entre nas escolas.

    1. Henrique Silva disse:

      Concordo, Carol. Você traz a questão da divulgação/comunicação para a nossa própria área, ou seja, de produção de conhecimentos sobre educação em ciências. E aí já vemos como essa questão envolve “quem produz conhecimento?”, “que conhecimentos são esses?”, “que conhecimentos são valorizados?” entre outras inúmeras questões que envolvem comunicação e poder, o que eu chamo de discurso… Será que as novas TIC poderiam contribuir nesse projeto? Bom tema a síntese que pretendemos fazer na última aula…

  13. Rafaela Lamy disse:

    Concordo com a preocupação da Carolina sobre a comunicação científica na escola. Concordo também com o que o Henrique respondeu. Penso que este é um conceito emergente e como tal, já está presente há muito tempo. Desde os anos 70 há publicações interessantissimas sobre o assunto e as inquetações só vêem se acumulando. Eu mesma tenho a ambição de conversar um pouco sobre isso na minha tese. Vamos ver se dou conta. Por hora, apenas tenho a dizer, que nesse caso o que se pode de fato fazer, é modificar a forma de trabalhar com os miúdos e não o conteúdo. Investigar, levantar junto as crianças perguntas sem resposta, respostas que o professor se compromete a buscar e não à dar. Aceitar partir com o grupo em busca de algo, sem saber sinceramente onde se vai chegar. Isso tira o professor da sua zona de conforto, transformando-o em mediador. Aceitar que o conhecimento não é pronto e não dar as crianças a impressão de que ele seja. Definir uma metodologia de investigação (e validação dos resultados) e aplica-la nas aulas de ciência. Conheço alguns exemplos legais de trabalho deste jeito. Fico à disposição para novas trocas.