Educação científica, comunicação científica e mídias cibernéticas

Reflexões, estudos, pesquisas que, de alguma maneira, pensam aspectos da circulação do conhecimento científico numa sociedade como a nossa podem trazer elementos que contribuem para pensar a educação científica & tecnológica. Foi esse pressuposto que me levou a convidar a Rafaela Lamy-Peronnet, doutoranda do PPGECT, para que falasse sobre o que se entende por comunicação científica  do ponto de vista de autores franceses como Dominique Wolton, Bensaude-Vincent, entre outros.

Temos visto, pelo texto da Contier e Marandino (2010), que as reflexões e pesquisas no âmbito da comunidade de educação científica & tecnológica têm valorizado e colocado em pauta a questão da participação enquanto objetivo dessa educação, seja formal, seja não-formal ou informal. A exploração das controvérsias sociocientíficas e os enfoques CTS são apenas alguns exemplos onde essa temática da participação emerge fortemente nas discussões nessa área. A fala da professora e pesquisadora Maria José de Almeida, da área de Educação em Ciências, em artigo da edição deste mês da Revista Fapesp desta semana, é outro exemplo da valorização dessa temática. A educação científica & tecnológica implica, também, e simultaneamente, em trabalhar a relação dos sujeitos com a ciência, a constituição dos lugares sociais que sujeitos podem ocupar na relação com a ciência. A total exterioridade, o silenciamento, a exclusão são alguns dos processos que histórico-socialmente têm constituído esses lugares. É nesse contexto que emerge a questão da participação. Há um conjunto amplo de pretensões e preocupações, ligadas à educação, que visam buscar outras formas de constituição desses sujeitos que vivem numa sociedade marcada pela ciência & tecnologia que não a de apenas “ouvintes”, “receptores”. Nas palavras de Jaqueline Authier-Revuz, finalizando uma análise de discurso de revistas de divulgação científica:

“Assim, atrás da missão de restabelecer, nos fatos, a comunicação, por meio do discurso, a D.C. preenche uma outra função – visando também, mas sobre outro plano, à “coesão social”: promover numerosos leitores de uma representação confortável de sua posição relativa à ciência, em um jogo de comunicação em que o discurso executa nele mesmo as figuras” (Authier-Revuz, 1998, p. 125).

Relação essa, a da ciência com o público, histórico-socialmente construída (ou seja, reconstruída a cada dia) e que tem a ver com o modo como a ciência é (socialmente) produzida, como ela circula socialmente (passando por diferentes instituições, da mídia jornalística à própria escola) e como ela se textualiza em várias materialidades de linguagens com suas diferentes práticas.

O campo da comunicação, outra área, notem bem, diferente da área da educação, tem contribuições para nós que pensamos a educação científica. O seminário da Rafaela Lamy-Peronnet apresentou a perspectiva da comunicação científica. Uma área que ela mesma caracterizou como emergente. Por isso, avaliações e posicionamentos que foram colocados precisam ser compreendidos sob essa perspectiva, a da comunicação científica, segundo a concepção ali apresentada, e não a da educação científica & tecnológica. Creio que se pôde aprender do seminário que comunicação não significa transmissão de informação entre locutor e ouvinte, mas processos complexos que envolvem relações de poder e interesses, que explícitos ou não, relações retóricas, diversos efeitos e mecanismos discursivos e enunciativos, relações com funcionamentos institucionais. Os chamados conteúdos propriamente cognitivos da ciência estão circulando como parte desses processos complexos.

Mas os estudos sobre comunicação científica abarcam um amplo espectro de trabalhos e áreas, passando pela área de comunicação propriamente dita, pelos estudos sociais da ciência e tecnologia, estudos culturais da ciência e tecnologia, linguística aplicada, estudos discursivos e história da ciência.

Creio que ao pensarmos essas questões do lugar da educação nos posicionamos às vezes muito cedo, muito antes de compreender com alguma profundidade os processos sobre os quais já estamos nos posicionando…

A leitura de autores que vem pensando questões de comunicação pública da ciência, participação, nos mostra antes de tudo uma diversidade enorme de processos sociais, comunicacionais e institucionais pelos quais as pessoas se relacionam com a ciência. Talvez antes de apontar qual o “melhor” processo seja importante saber que eles fazem parte de fato da realidade social em que vivemos e como têm funcionado… Isso porque quando produzimos algo, nossos discursos pedagógicos como educadores em ciência, seja por meio da fala, aula, textos, blog, site, fanpage do facebook, estamos dentro desses processos…

É preciso um cuidado para não pensamos e propormos muito mais rapidamente como a realidade deveria ser do que analisarmos efetivamente como ela é. O que proponho é que busquemos refletir melhor sobre como a ciência circula numa sociedade como a  nossa. O que as tecnologias de comunicação e informação e a cultura que as têm criado e colocado para funcionar têm a ver com essa circulação da ciência?

Deixo alguns links comentados apenas para apontar alguns exemplos sobre como essas discussões vêm sendo realizadas.

A Bernadette Bensaud-Vincent, referência básica do seminário da Rafaela, é Química, trabalha com história da ciência e comunicação científica. Tem artigos publicados por exemplo na Science & Education. Eis um artigo dela importante para pensar a questão do ponto de vista histórico:
BENSAUDE-VINCENT, B. A genealogy of the increasing gap between science and the public. Public Understanding of Science, vol. 10, p. 99–113, 2001.

A discussão envolvendo ciência, público e internet também acontece entre os cientistas. Exemplos são os dois abaixo, um publicado na revista Cell, um das mais prestigiadas da área de Biologia e outro de um dos braços da também prestigiadíssima Nature.
BONETTA, L. Scientists enter the blogosphere. Cell, vol. 129, n. 3, p.443-445, 2007.
BUBELA, T. et alli. Science communication reconsidered. Nature biotechnology, vol. 27, n. 6., p. 514-518, 2009.

Outras duas sugestões que discutem essa relação ciência, participação/engajamento público e internet:
DELGADO, A., KJØLBERG, K. L. e WICKSON, F. Public engagement coming of age: From theory to practice in STS encounters with nanotechnology. Public Understanding of Science, vol. 20, n. 6, p.826-845, 2011.
KOUPER, I. Science blogs and public engagement with science: practices, challenges, and opportunities. Journal of Science Communication, vol. 09, n. 01, 2010.

E, finalizando, esta entrevista de Dominique Wolton, na revista Mídia com Democracia de 2009, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

Referência
Authier-Revuz, J. A encenação da comunicação no discurso de divulgação científica. Palavras Incertas: as não-coincidências do dizer. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998.