Sobre a Cibercultura 5

Autor: Alex PrimoFrancisco Rüdiger, autor, do campo da comunicação, trazido pela Andrea Lapa à disciplina de Educação Mediada por Tecnologia, em seu “As teorias da cibercultura”, faz uma análise da cibercultura buscando compreender a emergência da própria noção, de seus discursos como parte do próprio fenômeno sociocultural que analisa. Sua análise se filia à teoria crítica frankfurtiana, o que fica evidente pela sua tese:

“O principal em relação a ela [cibercultura] está, cremos, numa espécie de massificação das práticas da indústria cultural, a conversão dos sujeitos receptores dessa última em sujeitos sociais de seu movimento conjunto como produção, circulação e consumação de bens e serviços espirituais submetidos ao fetichismo da mercadoria.” (p. 49)

Após dividir os sentidos construídos para a cibercultura em três grandes blocos, os populistas tecnocráticos (ou tecnófilos), os conservadores midiáticos e os cibercriticistas, produz sua própria interpretação, segundo a qual se trata apenas de uma nova página do mesmo processo que relaciona capitalismo e cultura, já identificado como indústria cultural por autores da Escola de Frankfurt na década de 50.
Nos discursos que vão construindo os sentidos para cibercultura aparecem dois elementos, às vezes colocados como categorias centrais: interatividade e participação.
Sobre participação e internet, ele vai colocar, comentando trabalho de outros autores,

“o conservadorismo cultural tanto quanto o populismo tecnófilo nos impedem de ver que a conversão da participação e da popularidade em critério de valor permanece na abstração, se estas forem desvinculadas do contexto histórico mais amplo em que se inserem, se estruturam e adquirem sua devida significação.” (p. 44-45).

A reivindicação teórica do autor é a de que se busque refletir sobre a cibercultura sem se perder de vista, em sua estrutura e sentido, “suas conexões objetivas com os blocos econômicos, os movimentos políticos e as formas de vida cotidianas mais amplas em que estão inseridos seus protagonistas”. (p. 49-50)

“Quando se perde isso de vista e a reflexão sobre o assunto se limita a vê-la apenas como espaço de liberdade e participação, ou contestá-la em nome de valores e realidades em vias de superação, […], o discurso assume um tom ideológico, porque só com um exame mais cuidados do contexto e sentido dessa formação e suas práticas é que, cremos, se pode ter uma problematização histórica mais críticas, profunda e abrangente do que se projeta com a cibercultura” (p. 50).

E há outros autores que também vêm refletindo mais seriamente sobre esse conceito. No Brasil temos Henrique Antoun, André Lemos, Marcos Palacios, entre outros.
Entre os autores que têm embasados esses estudos, além daqueles vinculados à escola de Frankfurt, pela sua importância e papel nos estudos críticos sobre comunicação, estão também autores como Foucault e Deleuze.
Um texto bastante interessante de Deleuze está no livro Conversações e aponta para uma transformação da nossa formação histórica que estaria passando da sociedade disciplinar para a sociedade de controle. É dessa passagem que fazem parte as tecnologias cibernéticas de comunicação e informação. Elas estão envolvidas e fazem parte de um processo de mudança social mais ampla, das relações de poder, da produção de sujeitos. Hoje, quase todos temos uma câmera na mão pronta a flagrar o outro a qualquer instante (amadorismo que a mídia jornalística profissional vem utilizando aliás fartamente). Em pouco tempo, e quase simultaneamente, um click produz uma publicização fantástica de uma trivial cena cotidiana, vira denúncia, material jornalístico, incriminação, julgamento e condenação e pena, pela própria publicização. Literalmente podemos acompanhar remotamente a trajetória de uma pessoa pela cidade ou entre cidades. Precisamos de apenas poucos minutos para saber inúmeros detalhes das vidas das pessoas. Não é apenas a questão do mercado que está em jogo. Mas a produção de sujeitos.
No entanto, o conceito de indústria cultural, que vem da década de 40, tem, ao longo dessas várias décadas, sofrido também inúmeros desdobramentos e críticas. Como nos lembra Consentino (2011), há produtos da indústria cultural que subvertem a lógica da submissão ao capital.
A ideia fundamental de Rudiger me parece é a de que a internet não muda o fato de que capital e produção cultural ainda mantêm fortes relações. Embora talvez essas relações sejam outras. Ou, nas palavras de Consentino (2011), “a cultura que permanece é a extensão da força do próprio capital, da força do consumo” (p. 108). “A internet não fez diminuir a força do capital sobre os sujeitos e a sociedade” (p. 101). Mas talvez tenha, ou faça parte, de uma mudança do modo como essa força funciona.
Como também lembra Consentino (2011), algumas características da internet, como rapidez na propagação e distribuição das informações, atendem mais a requisitos econômicos do que fenômenos de compreensão. Ou melhor, o aumento da quantidade e velocidade da informação não significa por si só, aumento das possibilidades de compreensão. Alguns sentidos que circulam sobre a internet e tecnologias da comunicação e informação em geral são produzidos a partir da hipervalorização da performance técnica. Isso tem relação com as concepções de tecnologia que temos. Isso tem a ver com o modo como concepções de tecnologia fazem parte da educação científica e tecnológica.
Outro aspecto levantado e discutido por Rüdiger, a partir de outros autores, diz respeito à quebra de hierarquização e autoridade, especialmente aquelas baseadas em conhecimento e especialização, fenômeno que redunda num igualitarismo rebaixado. A discussão em relação ao jornalismo, que não cabe colocar aqui, é particularmente interessante. Esse é um aspecto a partir do qual podemos desenrolar conexões com o campo da educação científica e tecnológica. Mas isso ficará para outros posts e conversar.
Ah, é claro, eis o blog do autor.

Links sugeridos
O blog de Alex Primo traz uma boa bibliografia sobre cibercultura, web 2.0 e jornalismo, hipertexto e redes sociais online. A imagem do mapa da cibercultura é deste autor.

Sobre Industrialização da Mente – Enzensberger – http://pradesterrofalar.wordpress.com/2012/03/21/a-industrializacao-da-mente-50-anos-depois/

Consentino, André T. (2011). Teoria Crítica da Indústria Cultural: dialética da reavaliação do conceito. Dissertação sobre conceito de Indústria Cultural defendida na UFPR – http://www.filosofia.ufpr.br/var/1335457741vers%C3%A3o_impressa.pdf

 

Referências
RÜDIGER, Francisco.  As teorias da cibercultura: perspectivas, questões, autores. Porto Alegre: Sulina, 2011. (introdução e cap. 1).
DELEUZE, G. Controle e Devir, e Postscriptum sobre as sociedades de controle. In: ____. Conversações. São Paulo: Editora 34.

 

Observação: Todos os posts relativos à disciplina Educação Mediada por Tecnologias do PPGECT são escritos após as aulas e portanto têm contribuições importantes de todos os alunos e demais colegas que participam da disciplina.

Comentários

  1. Simone Leal disse:

    olá Henrique o tema “Cibercultura” me interessa muito e pode vir a estar fortemente relacionado ao meu projeto de pesquisa.Vasculhando os sebos vi que Rudiger tem um outro livro neste contexto, acho que o titulo é “elementos para critica a cibercultura ” .. não sei se é bem este titulo , mas resolvi comprá-lo estou aguardando chegar. Os textos discutidos em aula são do livro do autor de 2011. Penso em comprá-lo também . Quero compreender melhor os sentidos da cibercultura apontados nos três grandes blocos de Rudiger, os populistas tecnocráticos (ou tecnófilos), os conservadores midiáticos e os cibercriticistas, bem como sua própria interpretação, segundo a qual se trata apenas de uma nova página do mesmo processo que relaciona capitalismo e cultura, já identificado como indústria cultural por autores da Escola de Frankfurt na década de 50.

  2. Henrique Silva disse:

    É um tema realmente muito interessante! Tenho lido e gostado muito de Henrique Antoun, outro autor que discute o tema, também de uma perspectiva crítica, mas não exatamente a da Escola de Frankfurt. Acabei de receber uma dica boa de leitura que deve adquirir em breve: Uma história social do conhecimento II: da Enciclopedia à Wikipédia, de Peter Burke, que saiu esse ano pela Zahar.
    Mas recomendo fortemente, a leitura de alguns caps. da dissertação de Consentino cujo link está no post.

  3. Simone Leal disse:

    obrigada Henrique . Vou encontrar espaço para as leituras indicadas .

  4. Sabine disse:

    Olá Prof. e colegas!!

    Na postagem acima no último parágrafo o professor menciona que não entrará em detalhes no momento sobre a questão do jornalismo, mas não consegui entender o que significa o termo “igualitarismo rebaixado”.
    O que isso tem relação com as especializações?

    1. Henrique Silva disse:

      Rudiger usa essa expressão na página 46 quando comenta o trabalho de Sieger. Ele destaca a ideia de Sieger de que o vetor das principais expressões culturais da cibercultura se encontraria na promoção de um “igualitarismo rebaixado em termos mercantis e que apenas se vale do nome de democracia”. Eu chamei a atenção em aula para o fato de que poderíamos pensar essa ideia para a questão da circulação/divulgação do conhecimento científico. Um aspecto da cibercultura estaria no fato que há uma horizontalização de algumas das antigas hierarquias. Por exemplo, todo mundo pode “produzir informação”. Qualquer um pode criar um blog e colocar suas notícias, em contraste com uma época em que isso só era possível a instituições e pessoas formadas para isso, ou com conhecimentos específicos para isso, como o caso dos jornalistas. Eu entendo que é isso que ele chama de rebaixamento. Na internet todo podemos ser “jornalistas”, todos podemos ser “cineastas”, todos podemos ser “divulgares ou educadores científicos”… Isso é representa uma mudança radical! Mas Siegel não vai ficar na valorização ou “demonização” disso… o que ele vai apontar, segundo Rudiger é que, de todo modo, isso ainda está preso, vinculado ao funcionamento do mercado, como acontecia com a “velha” mídia profissional.
      O Rudiger tem um artigo em que ele cita novamente esse trecho do Sieger.